Empresa lusa de tecnologia militar ganhou o concurso internacional da NATO para fornecer um sistema de comunicações ao exército português. E tem em vista oportunidades de 60 a 80 milhões.
Hugo Neutel – hugoneutel@negocios.pt
A EID, empresa portuguesa especializada em tecnologia de comunicações militares, venceu um concurso internacional lançado pela NATO para fornecer um sistema de comunicações ao exército português. O contrato vale 30 milhões de euros e foi lançado por uma agência da Organização do Tratado do Atlântico Norte.
“E um sistema de comunicações que tem vários elementos que o cliente pode combinar consoante os seus requisitos”, explica ao Negócios o diretor executivo da EID, Martin Bennett. O prazo para a execução, que será realizada em várias fases, é de três anos. “Em termos simples, é um conjunto de pequenos contentores transportáveis que são usados pelo exército no terreno. Dependendo do que o exército precisar, pode escolher e combinar os contentores, que têm vários equipamentos de comunicação”, diz o responsável.
O facto de a EID ter vencido o concurso internacional permite continuar uma relação com as Forças Armadas portuguesas que não é de hoje: “Cimenta e solidifica a nossa relação de longo prazo com o exército português”, enfatiza. Portugal representa tipicamente 40% do negócio da empresa.
Este não foi, no entanto, o único contrato que a EID, que exporta 60% da sua produção, ganhou nos últimos meses para a instalação de sistemas de comunicações. Houve outros dois, mas nesses a tecnologia é destinada não ao exército mas a embarcações militares. São sistemas integrados que reúnem rádio, satélite, sonar e qualquer forma de comunicação, podendo ser voz, dados ou vídeo. Informação digitalizada que é canalizada para terminais de utilizadores individuais. “Um navio pequeno pode ter dez. Um navio muito grande pode ter 50 ou 60”, explica Bennett.
Um desses contratos tem também Portugal como destino final, embora tenha sido assinado com o grupo Damen, um gigante do setor da construção de navios sediado nos Países Baixos. Trata-se da construção do sistema de comunicações do D. João II, um navio multifunções da armada portuguesa, sendo que, neste caso, o contrato também prevê o desenvolvimento de toda a rede eletrónica do navio e a instalação de telefones submarinos. O D. João 11, financiado em quase 95 milhões de euros pelo Plano de Recuperação e Resiliência (que se somam a 37,5 milhões de investimento público), deverá ser entregue ao Estado português em 2026.
O outro contrato foi com a marinha do Chile e prevê a instalação de comunicações em duas fragatas.
A empresa não divulga os valores destes dois concursos, mas o diretor executivo avança que, somados ao da NATO, elevam a contratação para 48 milhões de euros.
Já no final do ano passado, a EID tinha vencido o concurso para construir um sistema de comunicações a aplicar em dois navios militares das Filipinas.
A EID venceu recentemente outros dois contratos. Um deles também tem como destino um navio português.
Mais negócio em vista
A EID, que desde 2016 é controlada pela britânica Cohort, não divulga resultados financeiros detalhados, mas ainda assim o diretor executivo deixa pistas sobre a evolução do negócio.
“Temos de ser cautelosos. Mas diria que até esta altura do próximo ano teremos oportunidades de aproximadamente 60 a 80 milhões de euros”, indica.
Em ritmo de cruzeiro, a empresa tem um volume de negócios a rondar os 20 milhões de euros anuais, valor que deverá crescer nos próximos tempos. O responsável avança que a estratégia da companhia é atingir “30 milhões de euros de receitas por ano até 2026”.
Grande parte dessas vendas deverão continuar a acontecer em mercados externos, como tem sido habitual na empresa, cuja assinatura está em mais de 200 navios e esta presente em todos os continentes. “Todos, exceto a Antártida”, brinca. Sendo que dela beneficiarão não apenas a empresa, mas os seus 300 fornecedores nacionais, diretos e indiretos.
Nos próximos 12 meses, haverá oportunidades de negócio no valor de 60 a 80 milhões de euros, estima a empresa.
10% reinvestido em investigação
Operando num setor altamente tecnológico, a EID tem como objetivo permanente o reinvestimento de 10% das receitas em Investigação & Desenvolvimento. Meta que, garante o responsável, tem sido atingida: “O desenvolvimento de tecnologia e a sua aplicação são a nossa forca vital, e extremamente importante”.
Para isso, conta com um quadro de pessoal de 130 pessoas, que, na intenção da EID, vai crescer para 150 ao longo do próximo ano. A tarefa, no entanto, pode ser complexa, se as dificuldades de contratação continuarem. E quanto maior a especialização, mais árdua e a missão de encontrar profissionais. “Principalmente pessoal de engenharia que tenha experiência na nossa área especifica de negócio, porque a indústria de defesa em Portugal não é grande, portanto o conjunto de pessoas experientes e bastante pequeno”, lamenta. E é exatamente para fazer face a essa dificuldade que a EID esta a “considerar seriamente” o desenvolvimento de um sistema de pós-graduação, no qual possa “trazer jovens e começar a treina-los da base para o topo”, avança.
PERGUNTAS A MARTIN BENNETT – Director Executivo da EID
“Não vendemos à Ucrânia, não porque não queiramos”
O diretor executivo da EID não tem a certeza que o objetivo, estabelecido pelos membros da NATO, de atingir uma despesa de 2% do PIB em defesa até 2030 vá ser atingido, mas acredita que o investimento vai aumentar, mesmo que não alcance aquela meta. Martin Bennett confessa que se a companhia não vende diretamente à Ucrânia, não é porque não queira, mas antes por um desfasamento entre o que a EID oferece e o que o país de Volodymyr Zelensky procura.
A NATO tem o objetivo de aumentar o investimento em defesa para 2% do PIB até 2030. É uma meta alcançável?
O Reino Unido pretende aumenta-lo para 2,5%. Penso que a Polonia já o fez, tem uma ameaça existencial. O facto de a Alemanha ter avançado para um aumento dos gastos na defesa e algo que talvez os mais cínicos não pudessem adivinhar há dois ou três anos. Estou otimista. Serão atingidos os níveis exigidos? Teremos de ver. Vejo aumentos da capacidade de defesa nos países europeus, incluindo Portugal. Ha uma tendência para aumentarem, mesmo que não cheguem aquele número.
A situação na Ucrânia teve impacto na empresa? Vendeu mais por causa disso?
Se vendemos diretamente para a Ucrânia? Não vendemos. Não porque não queiramos. Para ser sincero, o que a Ucrânia pretende não corresponde necessariamente ao que vendemos. Um impacto indireto na indústria da defesa como um todo, diria que sim, deve ter acontecido. As compras em geral estão em alta e isso poderá ter um impacto positivo na EID. Mas não há uma correlação direta com a Ucrânia.
“Vejo aumentos da capacidade de defesa nos países europeus, incluindo Portugal. Há uma tendência para aumentarem, mesmo que não cheguem àquele número [de 2% do PIB].”
A EID está em todos os continentes?
Ha pelo menos cerca de 200 navios com “kits” nossos. Na Europa, e particularmente em Portugal, somos fortes. Nos Países Baixos também. O Chile e um exemplo de um novo mercado. Temos [negócios] na indonésia, na Malásia, em Singapura, nas Filipinas. Não muito no Medio Oriente, estamos a começar. Temos muito sucesso na Austrália. Não temos nada na Antártida (risos).